terça-feira, 2 de maio de 2017

Por que fazemos meditação?



Por Bháskar Deva (Bruno V Pasti)
             
Introdução 
    Há muitos anos atrás os sábios se perguntavam por que alguns objetos trazem uma sensação agradável mental, ou felicidade, e outros não, por que um mesmo objeto traz felicidade para uma pessoa e para outra não, além disso, por que alguns fatos nos trazem paz e outros não. E ainda, por que essa coisa chamada felicidade ou paz, que os objetos e fatos nos trazem, é tão passageira? Há algum objeto que pode trazer felicidade e paz de forma permanente para qualquer ser independente de sua natureza?
    A busca por um objeto que satisfizesse as condições, permanência e absoluto, ou seja, esse objeto realizaria plenamente e satisfaria totalmente a qualquer tempo ou ininterruptamente e, além disso, realizaria e satisfaria plenamente qualquer pessoa ou ser mesmo considerando suas diferentes peculiaridades, esses dois aspectos levaram os antigos cientistas a iniciarem suas pesquisas em seus laboratórios mentais, uma vez que o mundo externo, o mundo material, não trazia respostas definitivas.
    Esses cientistas da mente descobriram que a pergunta a ser feita não era “o que dá felicidade e paz? ”, mas sim “o que é esse “eu” que sente paz e felicidade? ”.
    Então, a procura para entender o que é esse “eu” foi o início da busca pelo Dharma. Essa busca levou os seres humanos a olharem para dentro de si, a conhecerem sua natureza, sua identidade, e nessa busca desenvolveram o processo de meditação.
Dharma
    Mas afinal o que é dharma?
   O que é inerente ao conceito de Dharma é o conceito de identidade e dentro deste o conceito de corpo, mente e consciência.
    Dharma significa a característica intrínseca ou natureza de alguma coisa. Nosso dharma identifica quem nós somos.
    Então, qual é o dharma humano, ou seja, o elemento caracterizador, aquilo que o diferencia de outros seres?
    O ser humano não se satisfaz com coisa alguma, sempre há algum desejo não realizado ou não satisfeito; o tempo todo está desenvolvendo novos anseios; não há objeto material ou fato que realize e satisfaça todos os desejos criados em sua mente e que traga a sensação de felicidade e paz permanente. Dizemos, então, que nossa mente está sempre em expansão e que para cada realização ou satisfação, novos e mais novos desejos e anseios são criados em nossa mente, estamos sempre querendo algo mais, e melhor, e maior.
    Na realidade o ser humano tem uma sede infinita por felicidade ou realizações e satisfações, e por isso, muitas vezes experimenta um sentimento de frustração porque cada vez que a mente se expande ela recebe um objeto finito.
    À vista disso, somente um objeto ou uma entidade infinita poderá satisfazer plenamente essa sede infinita, ou seja, o ser humano deverá consumar o Infinito, deverá abrigar em sua mente a Entidade Cósmica.
    Portanto, dizemos que a característica intrínseca ou dharma do ser humano é realizar o Infinito ou buscar a realização da Entidade Cósmica.
    Dessa forma, quando o ser humano compreender o fato de que a sua qualidade inata é o desejo pelo Infinito e, assim, começar a se mover em direção a essa realização é que poderá desfrutar da verdadeira felicidade.
O que é o sentimento de “eu”?
    Quando fechamos os olhos e olhamos para dentro de nós, fazemos o processo de introspecção ou reflexão interna do “eu”.
    O que é reflexão interna?
    Quando fechamos os olhos e pensamos: “eu sou Carlos”, “eu sou Larissa ”, vamos sentir alguma coisa quando falamos isso. Se tentarmos explicar teremos dificuldades de explicar quem realmente somos. Contudo, podemos dizer que é um sentimento que nos remete a “eu tenho uma identidade”. Assim, reflexão interna tem a ver com o reconhecimento de que temos uma identidade.
    De fato, cada indivíduo tem um sentimento de “eu”, ou melhor, um sentimento de “eu sou, eu existo”, esse sentimento faz parte de nossa mente e também está ligado ao corpo e ao mundo material.
Mente e Consciência
    Bom, mas o que é nossa mente?
    Nossa mente é a composição de três partes: “eu existo”, “eu faço” e a matéria-prima mental. Esta última é aquilo que toma a forma na mente como resultado da ação de “eu faço”.
    Por exemplo, quando a mente vê um livro, com ajuda de nossos olhos, ela toma a forma de algo que chamamos livro. Porém, essa figura não é a mesma imagem formada na retina, pois a mente pode tomar a forma desse mesmo livro ainda com os olhos fechados. Então, aquilo que toma a forma do livro em nossa mente é a matéria-prima mental.
    Agora, a porção da mente que toma a forma do livro só pode assumir essa forma se o “eu faço” determinar isso, e nesse caso esse sentimento será expresso como “eu vejo”. Além disso, é com ajuda dos nossos órgãos motores e nossos sentidos que a terceira parte da mente entra em contato com o mundo externo e assume a forma do livro, embora pode assumir essa forma através da memória.
    Ademais, devemos reconhecer também que toda ação se origina na mente e que se expressa externamente com ajuda dos nossos órgãos motores e sensoriais.
    Com efeito, se a mente não está funcionando apropriadamente, mesmo quando os olhos estão aptos a ver, não podemos enxergar o livro, é isso que acontece, por exemplo, quando estamos distraídos, sob efeito de anestesia, de medicamentos ou drogas, etc. Portanto, é a mente que realiza a ação de ver o livro e isso acontece com ajuda dos olhos, além disso, a parte da mente que realiza a função de ver é “eu faço”.
    Agora, esse “eu” não poderá realizar nada, como acima, ver o livro, sem o “eu existo”.
    Consideremos a seguinte sentença como ilustração, eu sinto sede então bebo água. Vemos que primeiro deve existir o sentimento “eu existo” para que possamos identificar o sentimento “eu sinto sede”; “bebo água” vem do sentimento de “eu faço”, essa é a parte da mente que realiza a ação, e por fim, a parte da mente que tomou a forma da água antes de beber, depois assumiu sua forma enquanto bebia, sentiu o odor e o contato da água no corpo, constitui a terceira parte da mente, ou seja, a matéria-prima mental.
    É importante salientar que apesar das diferentes funções do “eu” elas são desempenhadas pelo mesmo “eu”.
    Além disso, sabemos do fato de que há um sentimento de “eu existo” em nós, o que nos leva a dizer, “eu sei do fato que eu existo”.
    Então, esse “eu” de “eu sei”, o sujeito da sentença “eu sei que existo” é a consciência individual ou átman. O “eu” conhecedor, que testemunha nossa mente ou que testemunha a existência do “eu” de “eu existo” é a consciência unitária ou espírito cuja natureza é a busca pelo Infinito. A consciência unitária é diferente da mente.
    Essa presença do “eu” de “eu sei” é estabelecida pelo sentimento de existência que a pessoa manifesta, ou presencia, em cada ação e durante a sucessão de cada ação.
    Assim, pela diferença que há entre o “eu existencial” e a consciência unitária somos levados a concluir que não é possível existir sem essa consciência, pois é esta que nos tornam capazes de testemunhar nossa própria existência!
    A consciência sempre permanece como entidade testemunhal e qualquer ação realizada pelo “eu” não tem qualquer efeito sobre ela, ela permanece sempre como expectadora. Somente a entidade com o sentimento de “eu” receberá os efeitos das ações, uma vez que esse sentimento é a causa de todas as ações.
    O sentimento, “eu sei que existo”, que os seres humanos experimentam é bem mais claro e profundo do que o sentimento de “eu” que os animais vivenciam. Por isso que dizemos que a diferença entre os seres humanos e os animais está na percepção do sentimento do próprio “eu”. O ser humano possui a consciência claramente refletida em seu sentimento de “eu”.
    Essa introspecção do sentimento de “eu” varia de pessoa para pessoa.
    Algumas pessoas quando fazem introspecção experimentam apenas o próprio corpo.  Elas não têm disposição para admitir a existência da mente, quem dirá do espírito ou consciência. Já outras pessoas podem admitir a existência da mente, da psique, mas vão discordar da existência do espírito. 
    Todas estão expressando diferentes níveis de experiência de reflexão do sentimento de “eu”.
    Agora, enquanto o sentimento de “eu” está conectado à identidade individual, ou ainda, ao corpo e a mente, a pessoa é diferente da sua consciência ou átman e essa pessoa com esse sentimento de “eu” é apenas uma forma modificada ou assumida da consciência unitária.
    Por exemplo, Karla enquanto atua numa peça de teatro como Dona Katarina, é chamada de Dona Katarina e não Karla. Enquanto atua como Dona Katarina, Karla não assume sua personalidade verdadeira. Ela é apenas uma personalidade assumida ou transformada e, enquanto atua, é chamada de Dona Katarina e não Karla. Da mesma forma, enquanto o sentimento de eu está conectado à identidade individual, a pessoa é diferente de seu átman e essa pessoa com esse sentimento de “eu” é apenas uma forma modificada ou assumida da consciência unitária.
    Assim, se por algum processo essa diferença entre a identidade, esse sentimento de “eu”, e a consciência unitária desaparecer, então, a forma modificada ou assumida da consciência unitária deixará de existir e ela realizará o estágio supremo, uma vez que a consciência unitária é um múltiplo da Consciência Cósmica.
    Assim, quanto mais clara é a reflexão da consciência no sentimento de “eu” mais próximos estamos de realizar o Infinito.
    É assim que nosso dharma ou qualidade inata, que nada mais é que a busca pelo Infinito, se relaciona com nossa consciência, múltipla da Consciência Cósmica, e nosso sentimento de eu que nos desconecta da Entidade Cósmica.
Conclusão:
    Para compreender por que a paz e a felicidade são tão efêmeras e mesmo quando realizamos ou satisfazemos nossos anseios elas não permanecem, ou ainda, para compreender por que sempre estamos desejando cada vez mais realizações, mais satisfações é necessário conhecer o que é o “eu” que deseja, que está sempre ansiando por mais e mais.
    A partir da investigação concluímos que temos um desejo infinito por felicidade, paz, realizações e satisfações e só uma entidade infinita pode satisfazer essa sede infinita. Então, nossa característica intrínseca, nosso dharma, é alcançar ou realizar o Infinito ou a Entidade Cósmica e assim tornarmos infinitamente satisfeitos e realizados.
    Além disso, é o nosso sentimento de “eu” que nos distancia da realização suprema. Assim, quando nosso sentimento de “eu” se dissolve, ou seja, quando nossa consciência unitária é plenamente refletida em nosso sentimento de “eu” nós realizamos o Infinito, pois essa consciência unitária nada mais é que um puro fragmento ou um múltiplo da Consciência Cósmica.
    Expressando de outro maneira, quando nossa consciência, cuja natureza é a realização do Infinito, for completamente refletida em nosso sentimento de eu nossa mente se tornará uma com a Consciência Cósmica.
    O processo que leva para a dissolução do “eu” individual ou a reflexão total da consciência unitária em nosso sentimento de "eu" é a meditação. A meditação faz o “eu” individual imergir no Infinito, na Entidade Cósmica, esse é o motivo para meditarmos.
    A meditação é um processo que faz desaparecer os sentimentos de individualidade e de fragmentação do ser, os quais o “eu” é separado de um todo universal, e faz surgir o estado de bem-aventurança na mente.

REFERÊNCIAS
1 - Anandamúrti, Shrii Shrii, Filosofia Elementar da Ananda Marga, 2 ed, Brasília, Ananda Marga, 2007
2 - Anandamúrti, Shrii Shrii, A Graça do Senhor Parte 2, Brasília, Ananda Marga, 2013
3 - Aulas online de ideologia da Ananda Marga com Kirit Deva, Corpo, Mente e Consciência, 2014/15 - aulas não publicadas.